quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Minha filha morreu no seu 6° aniversário... Acabei de ver fotos do seu 7°...

Eu não consigo descrever como estou me sentindo agora. O que eu estou passando é algo tão fora do normal, eu estou quase convencido de que eu finalmente enlouqueci.

Quase.

Minha esposa, Bia, morreu durante o parto. Ela era linda, engraçada, inteligente e teimosa. Uma mulher cuja risada era tão alta que comer em restaurantes era sempre um desafio, e cujo olhar era tão intenso que fazia minhas mãos tremerem. Eu perdi ela, enquanto ela dava à luz a nossa filha.

Sam.

Claro, eu poderia ter um ressentimento de Sam. Por tirar o que já foi meu de uma forma que nada mais pode ser. Por tirar o que era tão verdadeiramente e totalmente puro. Mas não o fiz. Eu sabia que Bia não iria querer qualquer ressentimento. Ela não iria quer que nossa única filha tivesse sua vida arruinada pelo ódio.

Mas isto não é sobre luto. Isto não é sobre a dor de perder para sempre algo que você amou. Não é sobre essa dor,quase que física,que te rasga a alma. Trata-se de algo muito mais sinistro.

Minha filha era animada, sempre correndo e gritando, pulando para cima e para baixo – aprontando desde pequena. Então, pro seu sexto aniversário, uma ida com os amigos ao cinema tinha deixado tão cheia de energia que eu mal consegui acompanha-la quando ela mergulhou e se esquivou entre as pessoas na calçada. Ela ocasionalmente iria voltar atrás, através do mar de pessoas e gritar: "Papai, vamos lá!" Em um tom que era quase petulante. Eu não poderia deixar de amá-la.

Eu tentei persegui-la, eu realmente tentei. Ela estava muito ocupada olhando para mim quando ela saiu correndo para a rua, e o ônibu não teve tempo de parar. Um som de algo quebrando, e o mundo ficou em silêncio. Eu embalei sua forma, agora distorcida em meus braços, em choque demais para chorar, muito ferida para mover. Tudo o que eu podia sentir era o sangue quente entrando suavemente em minhas roupas. No estado de choque em que estava, eu poderia apenas pensar em como eu iria lavar meus jeans. Parece horrível, eu sei - mas uma perda como essa que rasga tudo em você e te deixa com apenas uma fração do que nos torna humanos.

A semana seguinte, era um borrão. Eu não consigo saber quando as coisas realmente aconteceram, entre amigos e familiares tentando me confortar, e os meus soluços uivados que iriam escapar a qualquer momento - uma porta batendo, o zumbido suave do frigorífico ou vozes rindo no rádio.

Eu fui ao funeral dela todo vestido de preto. Por “vestido”, não me refiro apenas às roupas, a minha própria essência estava negra. Eu não conseguia sentir ou pensar, e o dia continuou enquanto eu seguia, como um homem morrendo se afundando na água. Todo mundo queria me falar sobre Sam, e como ela era perfeita – que ela era um anjo, como se eu não soubesse. Como se eu não tivesse percebido o presente que a minha própria filha era.

Então um homem, se destacou do resto, enquanto ele se aproximou de mim e me entregou este grande livro de couro. Eu achei, no momento, que ele era um pai de um dos amigos de Sam, entregando-me uma coleção de suas fotos juntos. Ou talvez eu estivesse muito apático para sentir suas mãos frias, e como ele nunca mencionou a minha filha nenhuma vez.

Durante um mês, eu fiquei perdido. Bebi, e fiquei em nosso apartamento, agora vazio, sozinho, assistindo filmes caseiros antigos – tão “dormente” agora, até pra chorar. Foi só quando a minha irmã chegou, quando ela segurou a minha mão e conversou comigo, que eu comecei a sair da minha concha. Ela sentava e ouvia as coisas mais fúteis que eu dizia, e gentilmente me estimulava a sair da minha depressão. Não completamente, mas o suficiente para eu começar a viver o que era quase uma vida real novamente.

E foi aí que eu abri o livro. Eu tinha decidido lembrar de Sam por toda a alegria que ela me deu, e estava preparado pra refletir sobre sua vida sem me sentir miserável.

Eu abri a primeira página. Era essencialmente uma grande montagem, cheio de fotos Polaroid de minha filha crescendo. Franzi minha testa. Elas foram tiradas de uma certa distância, ligeiramente desfocadas - e eu estava em algumas delas.

Comecei a me sentir mal, mas esperava que as fotos seguintes me dessem alguma explicação. Eu criei várias teorias de como o homem obteve estas fotos, desesperado para ver os momentos da vida da minha filha sem um sentimento de apreensão. As fotos foram se aproximando cada vez mais, perto de aniversário da minha filha. Eu podia ver o dia em que eu dei-lhe uma pequena moto depois que ela completou cinco anos, e os joelhos esfolados que se seguiram. O livro tinha muitas mais páginas, que eu assumi que estavam vazios.

Mas havia uma foto dela pouco antes da ida ao cinema no seu sexto aniversário – eu pude reconhecer a capa de chuva rosa que ela insistia em usar, e minhas mãos em seus ombros.

Não havia nenhuma foto do acidente.

Em vez disso, sua vida continuou dentro deste livro. Seu sétimo aniversário tinha uma foto de mim e ela no jardim, coberto de tinta - com uma enorme tela no chão e uma pintura extremamente bagunçada. Seu sétimo aniversário.

Seu sétimo aniversário.

A realidade do que eu estava vendo, então me bateu e eu fechei o livro com força. Sentei-me ali, na mesa da cozinha olhando para o encadernado de couro. Isso deve ser algum photoshop sádico... eu esperava que fosse.. Alguém tinha tido tempo para aprontar essa brincadeira horrível em mim. Eu digo que eu esperava, porque essencialmente - Eu não podia acreditar na outra explicação. Se realmente houvesse outra.

Rangendo os dentes, eu decidi que eu não tinha nada a perder e continuei lendo.

Eu não posso explicar as emoções que eu senti enquanto eu vi tudo com atenção, ouvindo o som da viragem de página. Posso tentar, mas nada poderia prepará-lo para algo como isto.

Sua vida continuou, mostrando-lhe a perder os dentes de leite, seu primeiro dia ne escola secundária. Fui virando as páginas mais freneticamente, e eu comecei a notar algo. O fotógrafo estava se aproximando. Mais perto dela. Quando ela cresceu - e não em cada foto, mas a tendência geral - o fotógrafo estava ficando cada vez mais perto. Mais ousado, talvez.

Ela era linda. Impressionante. Como um adolescente que ela se parecia com sua mãe, todas as mechas em seu cabelo e seus sorrisos. Eu cresci muito, mas as fotos começaram a me mostrar cada vez menos. Seu décimo sexto aniversário estava estranho. Um grupo de amigos dela, sentado do lado de fora, bebendo em pequenos copos de plástico, em um piquenique. Mas havia alguém no fundo. Perto dos arbustos do parque, onde esta foto foi tirada, uma figura escura estava observando. Você não o teria notado, se não fosse a pequena sombra que ele lança sobre a grama.

Eu me inclinei para trás por um momento e respirei fundo. Isso era muito estranho. Eu estava tão emocionado ao assistir a minha menina crescer que eu não tinha pensado sobre como isso iria acabar.

Momentos como este, são tão absolutamente surreais que às vezes você se esquece deles. Eu quase me senti como se estivesse assistindo a mim mesmo ver essas fotos, como este fosse um sonho, ou um programa na televisão.

Eu continuei.

A figura escura tornou-se cada vez mais presente em cada fotografia. Eu quase podia perceber suas características. Sua presença foi aumentando, e enquanto eu virava as páginas, eu esperei vê-lo desaparecer. Mas em vez disso, como as fotografias foram se aproximando de seu décimo oitavo (cada aniversário foi marcado por uma legenda embaixo da Polaroid dizendo "mais um ano."), ela já não estava em algum lugar que eu conhecesse.

Em vez disso, as fotos eram dela em uma casa mal iluminada. Seu rosto se contorcia pelo medo, mostrando todos os tipos de poses estranhas. Às vezes, ela estaria vestida como uma rainha antiga ou ela estaria vestida como uma empregada, esfregando o chão, enquanto a figura estava ainda mais perto agora. Suas pernas, ou seus braços iriam aparecer em todos os momentos em cada uma das fotos. Não importava como ela estava vestida, em cada foto o rosto tinha essa expressão desesperada de dor. Isso me matava. Havia hematomas em seu rosto. Ela parecia magra, até mesmo doente.

Eu não aguentava mais.

Isso era doentio. Totalmente doente.

Minha menina.

E segui em frente.

A última foto que eu olhei, antes de bater o livro com toda minha força e jurar nunca, mas NUNCA olhar para ele novamente, foi de seu décimo oitavo aniversário. A legenda embaixo mostrava "Finalmente!" Na escrita desleixada.

Ela estava olhando diretamente para a câmera, chorando. Ela estava de joelhos, vestida em um vestido de noite preto - com uma maçã na boca e as mãos atadas atrás das costas. Sua maquiagem foi arruinada por suas lágrimas. Era como se ela estivesse me implorando, pedindo-me para ajudar. Mas eu não podia.

Fechei o livro e sai da sala, todo o meu corpo em convulsão com os soluços.

Eu não podia chamar a polícia, é claro. Ela estava morta.

Mas o que me manteve acordado à noite, não foi lembrar seu rosto, nem de lembrar de como sua vida poderia ter sido... nem foi a dor em seu olhar.

Foi o fato de que havia tantas páginas restantes...